Os meios de comunicação, nas últimas semanas, se empenharam em mostrar os sofrimentos de parte da população do sudeste do país. Impõem-se os seguintes questionamentos: de que sofrimento se trata? Qual a razão dele? Somos tentados a responder que a causa está ligada às torrenciais chuvas deste verão. No entanto, uma resposta assim transfere aos fenômenos da natureza a responsabilidade pelas mortes, desalojamentos, perdas e danos. Urge perguntar se a raiz desse sofrimento é realmente a chegada das chuvas.
O momento é propício para o aprendizado. Como está nossa relação com a natureza? A história registra a relação do ser humano com a natureza sob diversos prismas. No entanto, parece haver sempre um embate. De modo geral, em todas as culturas tenta-se dominar a natureza e dela extrair energia, produtos, bens que facilitem o viver, na busca do conforto e do bem-estar. Isso parece ter um custo, um alto custo, considerando o grau de intervenção do ser humano na natureza. Emerge o discurso ecológico, verdadeira ciência da contemporaneidade, para contribuir com o equilíbrio dessa relação.
A Igreja, atenta aos sinais dos tempos, dialoga com a sociedade. No Brasil, ela colaborou para introduzir o tema da ecologia com a Campanha da Fraternidade de 1977, que trazia o forte apelo: “Preserve o que é de todos”. Papa Francisco abraçou essa causa, entre outras, e, tomando das catequeses de São João Paulo II a expressão “conversão ecológica”, dedicou diversos parágrafos ao tema naquela que poderia ser chamada de “encíclica ecológica”, a Laudato sì. De fato, seis parágrafos da Laudato sì são dedicados ao tema da “conversão ecológica”, definida como um novo comportamento para “deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (LS 217).
A conversão ecológica nada mais é que o aprofundamento da conversão pessoal. É deixar que o evangelho ilumine todas as dimensões da existência e da história, pois “se «os desertos exteriores se multiplicam no mundo, [é] porque os desertos interiores se tornaram tão amplos», [assim] a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (LS 217). Insiste o Papa que tal conversão tem o seu desdobramento social na dimensão comunitária: “A conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária” (LS 219).
As consequências de uma intervenção destruidora da “casa comum” são perceptíveis por toda a humanidade e em todos os cantos da terra. Escutemos o apelo ecumênico do Papa: “Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis” (LS 221). E, queiramos ou não, a “casa comum” está gritando: conversão ecológica já!
+ João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros
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