Vi uma vez, numa paróquia da cidade de Colônia, Alemanha, um presépio que encheu meus olhos de brilho. A cada dia as figuras mudavam de gestos e novas cenas eram apresentadas. A que vi trazia Maria ao lado de uma tina. Ela segurava o menino Jesus, que estava sem nenhuma veste. Sustentava o recém-nascido sobre a tina enquanto José, de joelhos, derramava um balde de água. Era a cena de um dos banhos do menino Jesus. Ali me detive a contemplar, meditar e rezar o realismo da cena criada para comunicar a beleza do mistério da encarnação. Sim, o menino Jesus, Verbo de Deus humanado, precisava de cuidados maternos e paternos como qualquer criança. Assumindo a natureza humana, Deus se submetia aos processos culturais do cuidado com a vida nascente. Assim, seus pais, Maria e José, deveriam educá-lo. Impressionante esvaziamento do Onipotente, que se fez pequenino.
Uma outra cena, essa da lembrança de muitos, nós a encontramos no filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Quando Jesus, todo flagelado, caminha sob o peso da cruz e se encontra com sua mãe, o diretor introduz imagens de Jesus menino, correndo e caindo, esfolando os joelhos. Como toda mãe faria, Maria corre ao encontro de Jesus para socorrê-lo e abraçando-o diz-lhe: “Estou aqui”. Aquelas imagens vêm como lembrança de uma história de vida, naquele momento em que Jesus se depara com o sofrimento e a morte.
Recentemente, tornaram-se populares imagens interessantes que resgatam a humanidade da família de Nazaré. Pelo menos duas podem ser lembradas: a imagem de José dormindo e outra de Maria descansando no sono enquanto José embala o menino Jesus. Cenas muito reais para todo casal que deu à luz seu filho.
A Igreja, por meio da Constituição Pastoral Gaudium et spes, do Concílio Vaticano II, já dissera dessa verdade da fé cristã, qual seja, o mistério da encarnação com palavras muito claras: “‘Imagem de Deus invisível’ (Col. 1,15), Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n’Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado” (GS 22).
Celebrar o Natal implica reconhecer essa dimensão do Evangelho: a humanização de Deus em Jesus está a indicar o valor inestimável do ser humano, pois Deus quis ser como um de nós. Ele veio ao encontro da humanidade para conduzi-la até Ele. Deus se fez como nós para fazer-nos como Ele. Quanto mais nos identificamos com o humano de Jesus mais nos aproximamos do divino que n’Ele brilhou. O que Deus espera de nós é uma vida sempre mais integrada e verdadeira. Quando nos dá seu Filho, oferece-nos uma lição de amor e de proximidade, de ternura e de esperança, a sinalizar que não existe outro caminho para realizar-se como pessoa senão o de deixar-se inspirar em seu Filho Jesus, para amar como Ele amou, para viver como Ele viveu, para servir como Ele serviu, para perdoar como Ele perdoou. Neste Natal, em meio à pandemia, pense nisso.
+ João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros
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