No dia 22 de outubro, a Igreja celebra o Dia Mundial das Missões. Essa data foi instituída em 1926, pelo Papa Pio XI, e é comemorada anualmente no penúltimo domingo do mês de outubro. Quarenta e seis anos depois, em 1972, quando foi celebrado o ano missionário no Brasil, se consolidou a concepção de todo um mês dedicado à missão, juntamente com o estabelecimento do Conselho Missionário Nacional e a criação do projeto Igrejas-irmãs da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Desde então, as Pontifícias Obras Missionárias organizam a Campanha Missionária, realizada sempre em outubro, mês dedicado às missões.
A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões deste ano apresenta um lema inspirado na história dos discípulos de Emaús, narrada por São Lucas (Cf. 24, 13-35), “Corações ardentes, pés a caminho”. O texto ressalta que o encontro com o Ressuscitado é o elemento central que impulsiona o ser e o agir missionários, indicando-nos a validade permanente da atividade missionária da Igreja. Francisco destaca, ainda, que essa ação basilar da comunidade eclesial “comporta naturalmente uma cooperação missionária, cada vez mais estreita, de todos os seus membros a todos os níveis. Este é um objetivo essencial do percurso sinodal que a Igreja está a realizar com as palavras-chave comunhão, participação, missão.”
Já a Campanha Missionária desse ano nos propõe o tema “Ide! Da Igreja local aos confins do mundo”, e sugere o mesmo lema dos discípulos de Emaús, apresentado pelo Papa Francisco. Temos, assim, um coração que pulsa na realidade local e os pés que se põem a caminho, numa missão de caráter universal. “É local para indicar o lugar a partir do qual deve olhar o mundo, e não para indicar o lugar onde encerrar o nosso olhar” (Cf. Texto-base CMN, 15). O mesmo documento ressalta que o adjetivo “local” não significa uma restrição da universalidade. Ao contrário, indica o lugar no qual a universalidade deve se mostrar concretamente.

Desse modo, as Igrejas locais são chamadas a viver o compromisso missionário como natural, e devem estar plenamente conscientes de serem enviadas (cf. AG 20), como também de promover ativamente nelas o empenho da cooperação missionária entre as Igrejas. Um compromisso bidirecional, com reciprocidade e benefício mútuo. Assim, o Decreto Ad Gentes coloca as Igrejas locais como protagonistas da missão, tanto ad intra quanto ad extra, e isto define uma Igreja em estado permanente de missão.
À luz dessa inspiração missionária de um “ide”, que parte da Igreja local, e dos pés que se põem a caminho, compartilho um pouco da nossa experiência de missão, do Norte de Minas para o extremo norte do continente americano, da Arquidiocese de Montes Claros para a Diocese de Calgary no Canadá, do árido sertão mineiro para a região das frias montanhas do oeste canadense.
Essa jornada se iniciou em 2015 quando, por meio da obtenção de uma bolsa de estudos, me preparava para concluir o doutorado em teologia numa universidade nos Estados Unidos. Nesse período, após participar de um curso no Canadá e retornar ao Brasil, uma comunidade religiosa de brasileiros que atuava no Canadá apresentou uma proposta missionária que atenderia a uma necessidade da diocese onde trabalhava e que poderia ser conciliada com essa etapa de finalização das pesquisas acadêmicas em curso. Assim, em 2016, chegava à Diocese de Calgary para atuar numa paróquia construída por imigrantes de Portugal e que atendia a falantes de língua portuguesa e de língua inglesa. Os desafios iniciais foram enormes. Um país distante, uma comunidade passando por grandes dificuldades, uma cultura diferente, um outro idioma, temperaturas chegando a até trinta graus abaixo de zero e com neve recobrindo a paisagem por cerca de 7 meses ao longo do ano.

Mas pouco a pouco, um processo gradativo de inserção nessa nova realidade social, cultural e eclesial passou a ser vivenciado. Esse cenário possibilitou a absorção de novos elementos, uma melhor compreensão desse novo lugar de missão e a implementação de um pouco da formação e visão pastoral trazidas do Norte de Minas. Paralelamente a essa fase de adaptação inicial, foi possível finalizar a pesquisa de doutoramento que estava por concluir. Ademais, com o pedido de extensão da permanência da missão, por parte do bispo de Calgary, foi possível continuar com os estudos mas, dessa vez, na área de gestão e administração no ambiente eclesial.
A conclusão dessa segunda etapa de estudos no Canadá coincidiu com o início da pandemia. Assim sendo, disciplinas como gestão de crise, gestão pastoral e missão da Igreja no mundo digital, se tornaram de fundamental importância nesse novo cenário desafiador de uma emergência de saúde de proporção global. Nesse sentido, a recepção positiva das novas inciativas, assim como a colaboração e adesão da comunidade, fizeram desse período de grave crise sanitária, um momento de fecunda experiência de missão em terras estrangeiras.

Todo esse percurso pastoral teve como consequência uma inserção gradual na vida diocesana da Igreja em Calgary, e culminou com um inesperado convite, por parte do bispo local, e atual presidente da Conferência Episcopal Canadense, para participar como representante dos presbíteros, no recém-criado conselho diocesano de pastoral. Com igual surpresa, também recebi a indicação, por parte do clero diocesano, para o conselho presbiteral. Essa participação ativa na missão diocesana de Calgary se tornou uma oportunidade única de troca de experiências e de compartilhamento da abordagem pastoral que se consolidou nas últimas décadas na Arquidiocese de Montes Claros.
Além dessa cooperação no campo pastoral, tive a oportunidade de colaborar também no desenvolvimento de uma pesquisa sobre a história da Diocese de Calgary, sob o título “Dos pioneiros aos paroquianos, a história pastoral da Diocese de Calgary”, publicada pela diocese e apresentada para diferentes grupos, organismos e comunidades eclesiais. Esse trabalho nos coloca na trajetória histórica da diocese e se insere na esteira das iniciativas em vistas da implementação do novo plano de pastoral, delineado pela experiência sinodal dirigida pelo conselho diocesano de pastoral.
Ao lançar o olhar sobre um pouco de nossa jornada pastoral, do Norte de Minas para a América do Norte, sublinhamos a relevância da comunhão, participação e missão, como critérios norteadores do percurso sinodal proposto pelo Papa Francisco. E, do mesmo modo, colocamos em destaque o tema da campanha missionária 2023, “Ide! Da Igreja local aos confins do mundo”. Nessa perspectiva, acentuamos a validade permanente da universalidade da missão da Igreja que, como no texto dos discípulos de Emaús, nos convida a pôr os pés a caminho, na certeza de que o Ressuscitado é aquele que nos impulsiona e que caminha conosco.

Fiéis da Diocese de Calgary durante celebrações da semana santa.
Padre Fábio na apresentação de sua pesquisa sobre a história pastoral da Diocese de Calgary.
____________________________________________ *Artigo: Padre Fábio Vieira de Souza, sacerdote da Arquidiocese de Montes Claros, em missão na Diocese de Calgary, Canadá **Comunicação Arquidiocese de Montes Claros (38) 9 8423-8384 ou pelo e-mail: [email protected]